*
Arruaceira
*
Sim, eu aceito mais um drink
Afinal, você que era tão falante
agora se comporta como ouvinte
das minhas reclamações irritantemente femininas...
.
Ouvidos apostos, coração atento
e no súbito momento
que separa a raiva do beijo
vejo que ainda desejo
suas colocações narcisistas
em meu presente blasé
.
sei muito bem quem é você
e isso não me intimida.
.
Nem mesmo essa tristeza
que jorra rios por sua vida
me faria recuar
.
hoje eu vim para ficar,
pra ser profana, cigana, mundana,
arruaceira suburbana,
doida varrida
com a vassoura dos sonhos na mão.
.
Não precisa disfarçar a atração
Eu vou ceder, eu sempre cedo
.
Mas quando for bem tarde
e você sentir medo
não adianta reclamar da maleita sucedida
.
Só por hoje eu te recebo em meu colo de avenida
Amanhã é desfile novo e eu invento nova vida...

*
MADA – Mulheres que Amam Demais ASSUMIDAMENTE
*

Quero dizer que João voltou!
Ainda mais bonito
Mais charmoso, mais esquisito
Cheio daqueles problemas
Que gosta de me contar depois do sexo

A minha vida com João não tem nexo
Não tem acerto, não tem solução
Ele quer que eu seja apenas
O contraponto da solidão,
O avesso da tristeza.

Quando João voltou
Quis me tomar ali mesmo na mesa,
Mas eu, de família, contive minha represa
Pra desaguar somente lá em casa

É que meu homem tem um tipo de brasa
Que vai queimando o meu juízo
Até me deixar tonta.

Eu insisto na decência, mas ele fala que é afronta!
Fazer o quê?
Melhor mesmo é ceder
Sucumbir ao seu apelo

Talvez no fim da noite haja um punhado de zelo
Um carinho disfarçado, um eu te amo que escapa
Entre uma mordida e outra...

Eu declaro o meu amor
Mas João, um ditador,
Diz pro mundo que sou louca!

**

FOLIA PÓSTUMA
*

Quando ele me chamou pra sair, eu pensei:
- É agora que eu não faço mais nada.
Fiquei burra, paralisada, presa às convenções.
Quis alisar meu cabelo,
Fazer amarrações de panos e de destinos.
Que desatino, meu Deus!
Logo eu que fui treinada para seduzir
Vejo meu corpo assim, se entregando por um tostão...
Um bocado de carinho, um trocado de ilusão,
Uma gorjeta em forma de sorriso
E aquele beijo impreciso de olho fechado
E coração aberto.
Ele não pode ser o homem certo
É bonito demais, é inteligente além da conta...
Se homem burro já apronta
Imagina os sensacionais (?)
Devem ser os sinais,
As marcas que ele traz:
Uma vida difícil, um caso de amor mal terminado,
O conflito com o pai, a rejeição da mãe,
Esse paradoxo improvisado
Regado a licor de cassis
E alimentado por sanduíche a metro.
Esse homem é esperto
Sabe como chegar, que caminhos seguir,
Dia desses pode invadir
Meus pensamentos mais puros
Toca a campainha. É ele no portão
E meu coração, aos pulos,
Escapa da minha mão
E cai sentado no colo dele.
E de novo ele me toma, tira o meu juízo,
Joga meu sonho no chão e minha cabeça na Lua...
Lá vou eu outra vez pra rua
Com a alma semi-nua
Achando tudo muito normal...
Chegamos ao endereço...
Meu Deus, será que um dia eu esqueço?
Carros enfileirados, casais muito apressados,
E um cheiro de luxúria saindo de nossa pele
Abrem-se os portões...
Corações em sobressalto...
E meu homem diz: - Mãos ao alto!
Eu vou roubar o seu sossego...
Senhor, eu tenho medo!
Agora sei que vou me dar mal
Uma mulher enrolada na vida
Vestida de gueixa, cheirando a bebida,
Prisioneira eterna de uma suíte Oriental
Ele me leva pro ofuror
E eu descubro que o grande amor
Sobrevive ao carnaval...

**

GUERRA SANTA
*

Antônio escuta demais o que diz seu orixá
Mudou de cor, de cabelo, de roupa,
De gosto, de preferência...

Antônio agora acha que tudo é indecência,
Que todo dengo é desnecessário...
Ele confunde ser chato com ser solidário
Resolveu se ocupar com a humanidade
E pouco importa se a saudade que eu tenho dele
Me animaliza dia-a-dia.

Antônio ignora a minha agonia,
Não enxerga o meu sangue, o meu grito,
A minha vontade de ser dele e somente dele

Ele diz que é outro homem,
Mas o que eu quero é aquele – o descrente,
O ateu, o egoísta, o racional, o materialista.

Antônio tinha sido a minha melhor conquista
Antes de ser incorporado pelo tal orixá.

Eu que era filha da puta
Virei filha de Iemanjá na boca de Antônio.

Veja se pode!
Ele não me fode e ainda pede exame de DNA.

Não vou agüentar perder Antônio pra macumba
Ainda que ele confunda
Mulher boa-de-cama com pomba-gira.

Noite dessas, depois do chamego,
Ele cismou que era eu o desasossego
De um Exu enamorado que baixou no seu gangá.

Eu queria mandar Antônio pastar
Mas até que ele ficou gostoso...
Incorporado, vira homem novo,
Fuma charuto, fala grosso, canta um pouco
E diz que vai subir...

Nessa hora eu quase morro de rir
Porque em Antônio não sobe mais nada.
Meu homem virou uma piada,
Vestido de branco, bancando o santo
Que nunca foi e nunca será.

Mania de querer ser importante!
Logo comigo, cabocla elegante do pai Oxalá.

Ai, Antônio, não se afoba,
Sai do centro dessa roda
Que é meu dia de girar.

Quem nasceu para cambono
Não pode rodopiar.
Acostuma com o teu canto,
Que hoje, pra seu espanto,
É minha vez de cirandar.

**

APENAS UMA MULHER
*

Se você soubesse...
Se você me olhasse...
Se você sentisse...

Se te contassem
Como eu tenho andado diferente
Viria correndo me dá um beijo,
Voltava atrás e num súbito desejo
Devolvia os meus discos de Milton Nascimento

Se você descobrisse
Que eu parei de salgar o feijão
Que eu vendi a televisão
Só pra ficar pensando em você
Choraria de emoção e de orgulho
Porque ninguém no mundo todo
Me deixou tão insegura
A ponto de tudo esquecer

Até peixe desfiado comecei a preparar
Pra treinar o nosso almoço
De um futuro domingo
Deixei de apostar no bingo
E guardei trezentos reais
Pra reaver na Caixa Econômica
O seu relógio de estimação
Que o meu vício penhorou

Acho que aquela queimação
Era sintoma de amor
E não te ver agarrado a mim
Dá desespero e vontade de sair correndo

Ontem eu bati na sua porta
Mas o porteiro disse, não importa,
Que sou persona non grata
Em nosso antigo apartamento

Se você soubesse...
Se você me olhasse...
Se você sentisse...

Até crianças eu aceitaria fazer
Pra saciar seus instintos cristãos
Dormiria mais cedo pra não te incomodar
Arrumaria a casa sem fazer barulho
E nem reclamaria da toalha molhada
Sobre o criado mudo...

Inclusive um gato eu aceitaria ter
Largava cigarro, rua, boemia
Desistia da folia verde e rosa
Pra passar o carnaval fazendo yoga
Na praia da Macumba com você...

Apesar de sofrer tanto
Sofreria mais um pouco
Se na gota de sofrimento
Estivesse o seu corpo
Implorando o meu prazer...

Eu entrei na contra-mão
E hoje, não sei não,
Sinto que meu carro vai bater...

Se você soubesse...
Se você me olhasse...
Se você sentisse...

**

PARTO, PARTES, PARTIDO
*

Meu amor me deixou por uma ilusão que considero passageira
Mas quando findar essa fase tenho certeza que ele volta
.
Quando o sol daquele céu indicar a minha porta
Ele arruma uma coragem e traz de novo a bagagem
Para dentro do meu armário
.
Meu amor é solitário
E nenhum coração vai cantar pra ele como eu canto
.
Não vão saber fazer o cafuné que eu faço
E quando ele chegar a casa para desaguar do cansaço
É da minha torta de chocolate que ele sentirá saudade
.
Meu amor jurou que me queria de verdade
E, por isso, até escrevi uma carta sentimental
Escolhi nossas músicas, elaborei nossos sonhos
E mesmo morrendo de medo lhe entreguei a minha vida
.
Ele mora na minha cidade secreta
E ainda que outros braços o afaguem
Entre beijos e carícias desertas
É o meu canto que o faz adormecer
.
O cheiro do meu amor está me deixando sufocada
Eu respiro a vontade dele
Eu rolo na cama intocada
E quando vem a madrugada
Até penso em ligar para dar boa noite
.
Meu amor tem insônia, como eu,
Mas acorda cedo pra trabalhar
Por isso decido não incomodar seu relógio biológico
Para não bagunçar ainda mais os seus dias
.
Quando meu amor me mandou embora
Eu não trouxe comigo a fantasia
Ela ficou lá com ele, escondida
Falando de mim e daquilo que guardei pra nós
.
Vou separar nossas toalhas de banho
Vou lavar os lençóis e arrumar a casa
Ele pode chegar a qualquer momento
E eu não quero aparentar desleixo
.
Vou espantar os vestígios de lamento
Jogar fora o ciúme dos furtivos beijos
.
Meu amor me deixou por uma ilusão que considero passageira
E quando findar essa fase tenho certeza que ele volta
.
Eu continuo por aqui
A fitar eternamente a beleza daquela porta...

**

CHEIRO DE INDECÊNCIA
*

Ei, você que está passando
Quer fazer o favor de parar por um instante
E ouvir os batimentos do meu peito?

Tô achando que não tem mais jeito
De ignorar seus hormônios me devorando,
Essa boca entreaberta
Anunciando os beijos que virão

Essas mãos tremulantes,
Esse cheiro de indecência
Que o seu hálito tá exalando

Se não puder resolver minha demanda
Manda pra longe esse ar de quem me quer
Finja que é um poste, e eu aposto
Que em dois tempos eu esqueço
Seu rosto e seus olhos de ressaca

Sou mundano convicto,
Sou dos Arcos da Lapa
E amor como o seu
Tem aos montes na esquina

Mas, se por acaso, descobrir
Um romantismo de menina
Disfarçado na rima da sua indiferença
Escreva uma carta,
Um aviso qualquer,
Chame de volta quem te aceita como é
Só não diga que já me esqueceu

Ei, você que está passando
Quer fazer o favor de parar por um instante
E ouvir os batimentos do meu peito?
Não tem mais jeito...
O homem da sua vida sou eu!

**

MENTIRAS SINCERAS
*

Eu quero ser teu uma vez mais
Quero subir em teu céu
E fazer poesias com
Tuas estrelas apagadas

Quero afogar-me em teu presente,
Caminhar entre os teus pensamentos
Profanar nas avenidas dos teus medos
Como um ébrio trôpego
A cantar devaneios quando a chuva cai.

Eu amo as tuas armadilhas
O teu ar de inocência;
Amo as tuas mentiras e te alimento das minhas...

Vem!
Entrega-te ao despudor do nosso equívoco.

Eu te perdôo pela manhã seguinte
Recebendo teu corpo em suave sacrifício.