Antropo-Críticas Cênicas

Pela primeira vez embarquei num Faz-de-Conta




Eu não gosto de teatro infantil. Minto. Eu não gosto do teatro feito hoje em dia para crianças. Tudo muito repetitivo, com cenários de TNT que sobem e descem numa rotina que menospreza a inteligência da garotada, abusando do gelo seco e das gelatinas brancas. Como jurado de festival, fui obrigado muitas vezes a não dormir nessas platéias enfadonhas e constrangedoras. Vi coisas que até Deus duvida, mas não é sobre esse trauma que resolvi escrever.

Dia desses, numa simpática biblioteca no interior de São Paulo, Jundiaí, assisti o espetáculo “Faz de conta q você canta e conta um conto a cada canto”. Mentiram pra mim. Não era uma peça pra criança. Era uma peça pros amantes do bom teatro, sem idade, sem nacionalidade, cabível em qualquer tempo, qualquer espaço.

O texto de Marcelo Peroni e Rosângela Brigoni é um brinde as nossas memórias, inspirado nas parlendas, no folclore, nas cantigas e nas brincadeiras que remontam a história dos pais e mães que hoje levam seus filhos ao teatro. É uma dramaturgia inteligente, bem amarrada, com poesia para crianças, adultos e idosos... As canções, muito bem cantadas e regidas pela competente Elisseia Duarte dão um ar de magia ao espetáculo, extraindo dos atores uma expressão vocal satisfatória, muito bem acompanhada pelo músico João de Luca.

O elenco, homogêneo e talentosíssimo, é formado por Aline Volpi – responsável por uma bela construção da menina Lelê, sem cair no estereótipo do ator adulto que interpreta uma criança; Vivi Masolli é a divertida Joaninha, responsável pelos momentos mais engraçados da peça; Rosângela Torrezim demonstra maturidade cênica e concentração interpretando a conhecida Terezinha da cantiga, ao passo que Arthur Martins e Edvaldo Zanotti brilham nos respectivos Tatu e Francisco. Destaque especial para o travesso Pedro de Marcelo Peroni, em excelente performance como ator e cantor. É dele também a afinada direção da peça.

A luz de Rodrigo Gátera completa o quadro da ótima ficha técnica, permitindo ao público embarcar na viagem proposta. Através do trabalho dele acreditei estar vendo a Lua um pouco mais próxima da Terra...

E eu que não gosto do que tenho visto em termos de teatro infantil, renovo minhas esperanças e assumo: eu acredito sim em faz-de-conta... Desde que a história seja contada pela Cia Paulista de Artes.
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Serviço
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O quê: Faz de Conta que você canta e conta um conto a cada canto
Estilo: Musical Infantil
Quando: Até 2 de agosto de 2009
Onde: Teatro Maria Clara Machado (Planetário da Gávea) - Rio de Janeiro
Quanto: R$ 20,00 (estudante e terceira idadade pagam meia)



De Megera e Louco todo mundo tem um pouco






Teatro é uma atividade realmente imprevisível. Como ator, me acostumei a não criar muitas expectativas quando ouço falar de um título que me chama a atenção, mas também aprendi a não duvidar do talento escondido atrás de uma nomenclatura aparentemente inóspita para um senso estético mais apurado.
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Foi com esse misto de descrença e fé que assisti, anos atrás, na cidade de São Mateus, ES, o espetáculo da Cia Paulista de Artes “Cobrindo a Megera, de olho na Fera”. A história da família Bundião prometia ser contada de maneira didática, preocupada com a prevenção e com a causa das DSTs. Um mérito, não há dúvidas, mas artisticamente preocupante.
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O chamado teatro-social, muito comum no mercado contemporâneo, costuma guardar desagradáveis surpresas no que concerne à produção, trabalho de ator, direção e, principalmente, texto. É um teatro de produção em série, mais preocupado com a demanda do que com a arte de representar.
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Qual foi minha surpresa quando assisti os atores da Cia Paulista de Artes dando vida a simpática família. O texto de Rosângela Brigoni é dinâmico, informativo, dramaturgicamente bem costurado e, surpreendentemente, muitíssimo divertido. Alia com eficiência momentos de ação, de expectativa e de bom humor. A direção de Marcelo Peroni é limpa, instigante e muito apropriada à linguagem do teatro de rua. Os atores comandados por ele são atentos e não perdem uma chance de interação com o público.
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Destaco, nesse campo das interpretações, a simpatia da atriz Vivi Masolli, excelente protagonista, engraçada na medida certa. O trabalho de Aline Volpi é significativo do entendimento da técnica somada ao talento para fazer rir e pensar. Anna Paula Castro, com sua fogosa personagem Meire, é responsável por grande parte da comunicação com o público, ao passo de Rosângela Torrezim dá vida e credibilidade a uma Tia Mafalda rabujenta, porém apaixonante. No elenco masculino Marcelo Peroni é imbatível como Joca, perfeitamente integrado ao público e ao jeito caipira de ser e Arthur Martins, o mais jovem da trupe, é carismático e muito talentoso.
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Ao final da apresentação, seguida de uma conversa nada fiada, o grupo de atores mostrou competência não só artística, mas também profissional. Deram uma aula sobre prevenção e cidadania.Como ator, aplaudi de pé o espetáculo. Como professor, recomendei aos meus alunos. Como brasileiro, senti orgulho do meu país e dos talentos que ele abriga em seu território.
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Serviço
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O que: Cobrindo a Megera de Olho na Fera
Estilo: Teatro de Rua (comédia preventiva/didática)
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